A hidrocefalia é uma doença pouco conhecida, que acomete cerca de 60 mil pessoas na terceira idade, no Brasil. O mais grave é que boa parte não sabe que tem o problema ou, pior, confundem com Parkinson, Alzheimer e outras demências. Alguns estudos epidemiológicos revelam que, devido ao crescimento da população idosa, o país registra 11 mil novos casos de hidrocefalia de pressão normal (HPN) de origem desconhecida, por ano.
Para evitar sequelas, é imprescindível um diagnóstico diferencial, uma vez que se trata de uma das poucas síndromes demenciais que podem ser revertidas quando se faz a intervenção cirúrgica de forma precoce. Para o pesquisador José Gallucci Neto, psiquiatra do Laboratório de Neurociências, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conforme artigo publicado recentemente pela Revista de Psiquiatria Clínica, assim como o diagnóstico definitivo da maioria das síndromes demenciais, o da HPN depende do exame neuropatológico.
Só uma avaliação clínica cuidadosa, incluindo anamnese detalhada, exames físico e neurológico, associada a determinações bioquímicas e de neuroimagem, pode oferecer maior eficácia no diagnóstico da doença. “Inovações tecnológicas e métodos de neuroimagem estrutural e funcional, bem como técnicas de biologia e genética molecular, têm apresentado perspectivas para o diagnóstico precoce das demências, particularmente da doença de Alzheimer”, descreve.
Função de lavar o cérebro
O neurocirurgião Márcio Tostes explica que a função do líquor, em circulação no cérebro, é lavar a caixa craniana o tempo todo. Para isso, um adulto saudável tem uma produção diária de 450 milímetros por dia. “Esse líquido é reabsorvido na mesma taxa que é produzido, fazendo com que o cérebro seja constantemente lavado por dentro e por fora.
Com isso, ele tem as funções de promover um sistema circulatório próprio para o cérebro, para carregar neurotransmissores e outras proteínas, tem função de amortecimento hidráulico durante a movimentação da cabeça, porque funciona como uma bolsa de água capaz de absorver impactos externos ao crânio, e gera proteção biológica ao cérebro, uma vez que carrega células imunológicas capazes de defender o cérebro de micro-organismos patogênicos”, diz.
O pesquisador Galucci Neto observa que, a exemplo de outras síndromes demenciais, os portadores de hidrocefalia começam a apresentar déficit progressivo na função cognitiva, com maior ênfase na perda de memória e interferência nas atividades sociais e ocupacionais. O que, de acordo com Tostes, é altamente limitante.
“Como é provocada pelo aumento de líquido cefalorraquidiano (líquor) nas cavidades cerebrais chamadas ventrículos, o cérebro passa a ser comprimido de dentro para fora, surgindo assim alterações no seu funcionamento e manifestações neurológicas”, diz. Daí, além das queixas mais comuns, os portadores da HPN começam a apresentar alteração da marcha, incontinência urinária, além de alterações de comportamento. “A presença dos três sintomas juntos deve ser encarada como alerta, e o médico especialista deve ser consultado”, afirma o neurocirurgião.
Circulação represada nos ventrículos
O neurocirurgião Márcio Tostes, de Rio Preto, que acompanha diversos casos de hidrocefalia, observa que, para o cérebro funcionar direitinho, ele é banhado por um líquido especial chamado líquido cefalorraquidiano, ou líquor, que é produzido dentro das cavidades naturais do encéfalo, chamadas de ventrículos, por uma estrutura denominada plexo coroide.
Ao sofrer qualquer alteração no trânsito deste líquido, seja causado por anomalias genéticas herdadas ou por desordens desenvolvidas, como derrame, tumor, trauma, meningite, ou ainda por razão desconhecida, o líquido pode ficar represado dentro dos ventrículos e causar a hidrocefalia. O neurocirurgião explica que a única forma de corrigir o distúrbio da circulação do líquor é por meio de cirurgia. “Quanto mais cedo for diagnosticada, melhores os resultados do tratamento”, afirma.
Formas de tratamento
Os testes preditivos de infusão lombar e a drenagem de líquor pela punção lombar externa, com pressão monitorizada, continuamente, são as primeiras condutas para prever se haverá melhora com a cirurgia. Se o paciente apresentar melhora dos sintomas com esses exames, o diagnóstico de hidrocefalia é reforçado, justificando o procedimento e sinalizando o que esperar da cirurgia.
Antes, porém, para reforçar o diagnóstico, é feito o teste de coleta de líquor ou aplicado o medicamento acetazolamida (Diamox) – um remédio diurético – para observar possíveis melhoras dos sintomas, logo, se a pessoa apresentar evolução do quadro, o próximo passo é a cirurgia de drenagem ou derivação ventrículoperitoneal, que trata da colocação de um dreno ou válvula de pressão regulável de 2 milímetros para unir os ventrículos à cavidade peritoneal. Em alguns casos, a ventriculostomia endoscópica é o tratamento cirúrgico indicado.
Quem pode ter
A hidrocefalia de pressão normal (HPN) acomete principalmente idosos, a partir da sexta década de vida. As queixas mais comuns dos pacientes são alteração da marcha, incontinência urinária e comprometimento da memória ou comportamento
Confusão
A HPN pode ser confundida com outras síndromes demenciais, como Alzheimer, Parkinson e demais demências vasculares, pela similaridade dos principais sintomas, que são incontinência urinária, dificuldade de locomoção e problemas relacionados à memória. Por isso, é imprescindível escutar atentamente o paciente, para analisar seu quadro clínico e solicitar os exames que vão ajudar a confirmar o diagnóstico, como ressonância magnética, tomografia computadorizada, exames funcionais de cisternocintilografia e de drenagem de líquor pela punção lombar.
Fonte: Diário da Região